terça-feira, 1 de setembro de 2009


MINE TEXTO PARA TEATRO


“A história da Cabrita e Manel Mão de Pilão”



PERSONAGENS:

Manel
Delegado
Chico do Beco
Cravina
Madalena


Chico = Era numa noite de segunda para uma terça de abril, numa madrugada chuvosa, fria e febril, o matuto Tertulino teve um susto no intestino que arrepiou o coração.

Delegado = Continue seu Chico do Beco e sem muito arrodeio de quem ta comendo pelas beiradas.

Chico = Pois seu delegado, o Tertulino, seu Terto para os mais íntimos, o dito cujo da história, ia passando por uma rua arenosa, esburacada, bem danosa, quando de repente escuta na calada da noite uma judiação. Eram uma gemedeira, uns grunhidos, uma danação. No início ele ficou cabreiro, com medo, meio banzo, mas com a pulga atrás da orelha, doido pra curiar.

Manel = Um curioso, fuxiqueiro, fofoqueiro de marca maior.

Delegado = Não atrapalhe homem. Continue Chico do Beco.

Chico = No início ele pensou que fosse amor, mas a força do alarido ele viu que tinha de ir ajudar, defender, que só podia ser um desvalido, surrado e oprimido, quase na hora de morrer.

Delegado = Que imaginação o Terto tem. Continue Cabra, que hoje só me aquieto depois de ficar tudo claro como o dia.

Manel = Ai meu Deus.

Delegado = Continue.

Chico = Seu doutor delegado, o Terto imaginou que era um pobre coitado que tava levando um corretivo bem dado por desobedecer à nação.

Delegado = E esse homem com toda essa capacidade criativa precisava fazer o que ele fez?

Manel = Agora azedou a goma.

Chico = Seu doutor, o Terto chamou, pediu, implorou que abrissem a porta, mas aquela judiação não atendia. Foi aí que ele decidiu botar a porta dentro numa pesada só e com espanto ele viu uma cabrita e um jumento na maior orgia de amor.

Manel = Safado!!

Delegado = Olha o respeito cabra. Na assistência tem senhora casada e virginal.

Chico = Eu to falando do jeito que o senhor mandou, contando tudinho, detalhe por detalhe, como tudo se veio passar.

Manel = Coitadinha.

Delegado = Continua cabra.

Chico = Era um chamego escomunal, coisa que ele nunca tinha visto igual, coisa espantosa, era um em cima do outro, parecendo um bloco de carnaval.

Manel = Mentira!! Tudo mentira!

Delegado = Se cale! Continue Chico do Beco.

Chico = Nem essas meninas do gango, no requebro das cadeiras, não tinham tanta suingueira.

Manel = Chega!! Para com essa tortura!

Delegado = Se de novo atrapalhar, no xadrez vou lhe colocar.

Chico = Me desculpe seu doutor delegado o que agora eu vou falar.

Manel = Protesto!

Delegado = Negado! Continue Chico.

Chico = Só não posso me omitir de um fato que se passou lá.

Delegado = Pois fale seu cabra sem demora e sem gaguejar.

Chico = Quando o Tertulino arrombou a porta foi mesmo na hora que o bicho tava botando a macaxeira pra cozinhar e a molestada gruminhava, igual a milho a pipocar em uma noite de São João com foguetório no céu.

Delegado: Danou-se!

Chico: E o fogão de ferro não suportando a pressão, se abriu em quatro e foi aí que o burrão caiu em cima sem dó e nem piedade.

Manel = Alto lá! Essa conversa ta por demais enrolada e isso eu não posso aceitar!

Delegado = Porque cabra?

Manel = Que história mentirosa é essa que ele tava passando na rua, escutou a judiação e com um chute botou a porta no chão? E ele fala mais que de onde tava, na rua, ele viu a engrenação na cozinha e no desenrolar da história, sem sair do lugar, ele viu o fogão se partir em quatro? Essa não dá pra engolir doutor delegado.

Delegado = É mesmo. Boa observação. Enrolada explicação seu Chico do Beco. Que engrolado é esse?

Chico: De que lado tu ta, Manel?

Delegado: Da justiça! Se explique, seu cabra.

Manel = Tu tas me judiando da muela a espinhela, Chico. E agora quero só vê como tu vai sair desse balaio de cobra.

Delegado = E aí, seu Chico do Beco, comesse a se explicar.

Chico = O apressado come cru, já dizia a minha avó, que Deus a tenha no reio do céu.

Manel = Que apressado, que nada. Será que o doutor delegado num ta vendo que esse matuto, que difamou a cabritinha, ta enrolando mais ainda esse fio sem meada.

Delegado: Bem observado, seu Manel.

Chico = Seu doutor delegado, eu vou dizer tim tim por tim tim, o que esse apressado não esperou pra em seu tempo saber.

Delegado = Pois conte logo cabra, que já to me enfezando.

Chico = A casa era de taipa, pequena e sem divisão, casa de uma água só, aonde se chega à porta da frente e já ta vendo o fiofó. É por isso doutor delegado, que não to nem um pouco preocupado porque nessa perspectiva, de onde eu tava se via toda a judiação..

Manel = Seu doutor delegado, homem de Deus, não deixe ele lhe enganar, pois esse cabra é safado, esperto e ligeiro pra desculpa boa arranjar.

Chico: Tu ta querendo me ferrar, é seu amigo ingrato?

Manel: Você que ta difamando a cabritinha.

Delegado = Pois to satisfeito até demais com a explicação. Continue Chico.

Chico = Obrigado doutor delegado. Continuando onde parei, eu lhe digo doutor que só to aqui pra contar o que vi, pois de longe eu estava a observar, quando o Tertulino derrubou a porta e, foi aí que eu comecei a me aproximar, vi com esses olhos que a santa terra um dia vai comer; mesmo na hora que o bichão acunhou a molestada e ela pois se a grumiar.

Manel = Mentira!! Ela não faria isso!

Delegado = É o senhor estava lá? Está confessando?

Manel = Não senhor.

Delegado = Então feche a matraca.

Chico = Apareceu gente de tudo o que era canto, preto, branco, desdentado, patenteados, todo mundo assustado e foram ver aquela arrumação. Só o dono da casa ninguém viu para dar a devida explicação.
Manel = Quer dizer que derrubaram a parede de papelão?

Delegado = Continue Chico, que ta ficando muito boa essa sua explicação.

Manel = Mas ele não tem como provar, doutor delegado.

Delegado = Epa! É mesmo. Cadê a prova, seu cabra.

Chico = Das mil e duzentas testemunhas, eu trago de ruma, igual à penca de banana, assim o doutor delegado intimar.

Manel = Essa eu pago pra ver.

Delegado = Uma só já ta de bom tamanho.

Chico = Só como entrada e sem ser intimada, trago dona Cravina, senhorita aposentada e muito respeitada que presenciou toda a arrumação.

Cravina = Com sua licença doutor delegado pra essa mulher direita e de vergonha entrar.

Manel = Outra mentira! Nasci e me criei aqui e nunca vi essa mulher nesse lugar.

Cravina: Nunca me viu? Sou Cravina do Brasil, pois se o moço ainda não me conhece, mas aos poucos me conhecerá.

Chico = Me desculpe doutor delegado, a ignorância desse abestalhado que não tem idéia da repercussão que os grunhidos causaram em toda região, atingindo num raio incalculável e arrastando todo o povão, menos o doutor que estava no sul a viajar.

Delegado: Um curso esta a fazer. Que fique bem claro. Não estava a vagabundar.

Manel = Virgem Maria! Será?

Delegado: Tas duvidando de mim?

Manel: Nunca doutor! Estou matutando quanto à repercussão dos grunhidos da mimosa cabritinha.

Chico = E essa senvergonhesa ta pra entrar pra um tal de Guines Book que conta um monte de mentirança igual a essa que eu vou acabar de falar.

Delegado = E esse livro num só conta verdade comprovado?

Chico = Pra o senhor ver.

Cravina = Será que já posso falar meu garboso doutor?

Delegado = Pode sim, dona...

Cravina = Maria Cravina da Anunciação Brasil. Sou aposentada por motivo de acidente, mas sou muito nova ainda e solteira, precisamente virgem e aqui estou doutor, pronta para obedecer e realizar.

Delegado = Conte tudo, dona Cravina.

Cravina = Tudo começou quando lhe vi pela primeira vez.

Chico = Que história é essa?

Manel = É a reprise da cabrita.

Delegado: E o eu tenho a ver com essa história, dona Cravina?

Cravina = Meus olhos doutor, brilharam de encontro aos seus, meu corpo puro, imaculado tremia desejando o seu.

Delegado = Dona Cravina...

Cravina = Senhorita, até agora, não sei depois que o senhor me pedir para miar.

Delegado = Eu só quero que conte o que viu na casa que o matuto Tertulino arrombou.

Cravina = Eu só estava tentando reconstituir a cena do crime doutor.

Delegado = Como assim?

Cravina = Ai, seu doutor, me dá um calafrio só de lembrar, uma desorientação, um baticum no coração, uma quentura de baixo pra cima me deixando louca só em lembrar aquele burrão a galopar e de prazer à safada estava a requebrar. Mexia como uma louca que até os seus boticos dos olhos estavam a marejar e um suave sorriso em sua cara a estampar.

Delegado: Que descrição minuciosa.

Manel = Não dê atenção seu delegado, porque ela nada sabe além de difamar.

Cravina = Eu não sou daqui e não vim pra ficar, e se não fosse o doutor delegado, eu lhe cortava o badalo produtor, pra tu nunca mais ser homem, cabra safado e sem valor, pra nunca mais você me desafiar. Tenho fé por essas horas que são na santa Anunciação que o teu badalo animado tu nunca mais verás. Tu estragaste o meu romance com o doutor e tenho fé por tudo que é mais sagrado, e essa graça já está firmada, eu vou pagar imediatamente com um beijo na boca do primeiro homem que eu olhar.

Delegado = Alto lá que eu sou casado.

Chico = E eu amigado com uma paraibana braba pra chuchu.

Manel = E o meu badalo estará sempre animado, menos pra tu tribufu.

Delegado = A senhorita ta dispensada e chega de confusão. Quem vai falar é o Chico do Beco e sem maior enrolação.

Cravina = Eu vou sem beijar, mas o badalo desse estraga mel, de hoje em diante só vai lamber fel.

Manel = Dane-se frechada!

Delegado = E então seu Chico, vai desenrolar essa confusão?

Chico = Com certeza e sem demora. Inté parece que to vendo tudo de novo, inté sentindo os pingos daquele chuvarel.

Manel = Menos, Chico Mentirinha.

Delegado = Continue Chico.

Chico = Sim doutor.

Manel = E alagou?

Chico = Inté o corpo de bombeiros os maiorais tiveram de mandar chamar pra o povo da ribeirinha salvar.

Manel = Só conheci um que mentia mais do que Chico e esse Deus já chamou, mas essa seu doutor delegado ele se superou. Inté uma cheia ele botou no meio dessa confusão.

Delegado = O senhor ta mentindo seu Chico?

Chico = Que entre a próxima testemunha.

Madalena = Com a graça de Deus e da safadeza daqueles dois que o sapirico os tenha que Deus me perdoe.

Manel = Agora a goma azedou de vez.

Madalena = Não azedou e nem vai azedar seu amarelinho com cara de quem quer cagar, e quanto ao senhor, doutor delegado, nada precisa perguntar, pois direi o que sei, sem muito me demorar. Sou viúva de Marcondes de seu Bil, devota do altíssimo e o meu nome é o mesmo da outra que se prostituia no tempo do filho de Deus.

Delegado = Sem muita conversa, diga logo o que vai falar dona Madalena.

Madalena = Primeiro não me chame por esse nome de prostituta, de quenga do livro da salvação. Chame-me de Maria, mãe do salvador, mas menos de nome de quenga.

Delegado = Pois comece logo, ande sem demora, fale o que sabe.

Manel = É hoje.

Madalena = Calma seu doutor, que o apressado come cru ou como o senhor quiser degustar. Só sei que a chuva começou quando me faltava umas dez léguas de distância, chuva forte, tão forte que inté abafou um pouco os grunhidos da safadeza dos enviados do tinhoso e, como os três reis magos, eu não sabia onde, mas o barulho me guiava e quando já estava me faltando umas três léguas ou uma não sei bem, só sei que como Noé, muito rápido se formou uma grande correnteza e transformei uma tabua na minha arca.

Manel = E só levava uma macaca essa arca?

Delegado = Se cale, Manel! Continue dona Maria.

Madalena = Só sei que a velocidade era enorme e que todos as contas do meu terço se separaram. De longe eu via aquela multidão, tão compenetrados, como enfeitiçados, que por mais que eu gritasse, eles não me ouviam. Juro doutor delegado que gritei e terminei engolindo muito água suja, piaba e teve uma hora que cuspi um canivete que mais parecia um três oitão.

Delegado = Chega. Já vi tudo. Tem mais testemunha, seu Chico?

Madalena = Seu atrevido. Todos vocês são iguais. Uma pobre mulher indefesa e viúva não pode usar um decote e uma saia justa que vocês já estão querendo mais. Eu tenho o nome daquela que mancha a Bíblia, mas eu não sou igual a ela! Eu sou direita, de respeito!

Manel = Azedou!

Delegado = Não se sabe bem qual é a mistura, mas sei que desse caldo, um vai preso.

Madalena = Lembrei que tenho que ir embora e não tenho mais nada pra falar e seu Chico depois passe lá em casa, ta?

Manel = Já conheço essa história, e sempre sobra pra mim. Prenda-me logo seu delegado, e me leve logo pra o Xilindró.

Delegado = E você, seu Chico do Beco, não tem nada pra declarar?

Chico = Já que ele assume, quem sou eu pra atrapalhar. Que seja feita a vontade do senhor que a prisão vai realizar. Se o doutor me dá licença, eu quero pra essa multidão falar, que aqui ta esperando uma explicação do porque eu, e o seu Manel vinhemos aqui parar.

Delegado = Pois ande logo, que eu quero esse Mané enquadrar.

Chico = O matuto Tertulino tentou por demais puxar o burro. Por mais que ele puxasse, o engato só engrossava mais.

Delegado = Teje preso seu cabra safado porque burro não engata e você ta mentindo pra lei.

Manel = Com essa ele só piorou.

Chico = Era um burrinho novo, pronto pra praticar, só que não existia nenhuma fêmea da espécie dele, já tinham virado jabá e o donzelo quase nas últimas, teve que apelar e com ajuda de um amigo fiel...

Manel = Não olhem pra mim!

Chico = Pegou a cabrita Jurubeba, parideira e de ancas largas...

Manel = E que ancas.

Chico = Fez o coito acontecer, dentro de casa e não no quintal, que esse foi o seu mal.

Manel = Tava tentando preservar a espécie.

Chico = Só não contava com o desastre que aconteceu lá.

Manel = Nem em casa eu tava, pode acreditar.

Chico = Claro seu Manel. Você armou o bereu e quando viu o burro se transformar num burrão doido pra galopar, com pena da cabrita, dele queria ela tirar, mas de burro, o burro não tinha nada, deu um coice em Manel que foi parar na casa de chapéu e o burro meteu sem cerimônia que os boticos da cabrita Jurubeba ficaram esbugalhados.

Manel = Se arrependimento matasse.

Chico = Foi aquele berreiro, um barulho infernal e o sujeito de quem estou a falar, um monte de cerca começou a pular. Se a autoridade aqui presente não o prende em Cobé, onde já era conhecido por Mané Pulador, e se bem andasse, ele já estava nos estrangeiro treinando para ser um corredor.

Delegado = E o engate? Como você vai explicar?

Chico = Doutor delegado, o burrão tava seco, quando o momento aconteceu, o que se tinha estacodo explodiu, mas só que não deu tava pedrada demais e logo um bolo no meio do rolete se formou e encangado ficou.

Delegado = Azedou de vez.

Manel = Tadinha, como sofreu.

Chico = Pendurada feito cacho de côco, estrebuchando sem parar. O alarido era tanto que correu gente de tudo o que era canto, até o governador mandou um cabra pra averiguar.

Delegado = O governador? E eu aqui num tava para recebê-lo!

Manel = Ela morreu?

Chico = Ela pedia mais.

Manel = Safada!

Chico = Foi quando a água tomou conta do lugar e o desenrolar do resto da história, o senhor sabe, sem pestanejar.

Delegado = Pois conclua.

Chico = E o grande crime desse pobre coitado, seu doutor delegado era de ajudar o burrinho, sua raça perpetuar e se isso é crime, eu não sei o que o povo que lutam em defesa dos animais anda fazendo soltos sem pena pagar.

Delegado = É. Você tem razão. Essa confusão por causa de um burrinho que queria procriar. Eu só não entendi como é que a cabrita... Deixa isso pra lá. Vou andando minha gente, cumpri minha missão, prender cabra safado, mentiroso e mal encarado que na minha frente venha passar.

Chico = Vá com Deus doutor delegado e que São Francisco de Assis o proteja.

Manel = Pensei que ele não ia embora nunca mais. Já tava me vendo enjaulado e que tu dessa não ia escapar.

Chico = Eu sou Chico do Beco, e aonde chego pesso pouso e assento. Pode ser em praça, feira ou mercado, não tenho medo e nem fico encabulado, e me pareço com muitos Chicos por aí, mas esperto igual a mim, só essa proli aqui!

Manel = Vambora Chico, antes que o delegado volte.

Chico = Vambora minha gente, fazendo uma confissão, contando toda a verdade da cabrita e de Mané Mão de Pilão.

Manel = Se tu contar pra esse povo que eu era amante da cabrita Jurubeba, eu te quebro no meio.

Chico = Até mais ver pessoal!

Manel = Chico! O que foi que eu disse?... Péra por mim, Chico! Diacho!



Juscio
Macaíba (RN), 12 de maio de 2001.

Um comentário:

  1. Oi!!! JÚSCIO!!!... Feliz em ler tão bem produzido textos teatrais de um ser humano com um teor de capacidade que não é atoa que está no patamar onde esta reconhecido por tal façanha literaria, então JÚSCIO, continues sendo esta pessoa humana e de um histórico familiar invejável. Parabéns e és louvável por tudo o que estás fazendo pelas pessoas que ti cercam enfim pelo teatro que eu sei que lhe é peculiar.

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